segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Aniversário



No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência, não pensar...

Solidão



Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.
Deus costuma usar a solidão
Para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva para que possamos
Compreender o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio, quando quer
nos mostrar a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos
Compreender o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença, quando quer
Nos mostrar a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinar a andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra, para que possamos
Compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer
Nos mostrar a importância da vida.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Minhas duas faces


Uma parte de mim é santa, outra, não presta. Uma parte de mim é amor, e outra, ódio. Uma parte de mim é paixão, outra, traição. Uma parte de mim é pureza, outra, sedução. Uma parte de mim é simpatia, outra, ignorância. Eu sou assim. Duas em uma. Posso ser fogo, como posso ser gelo. Posso ser doce, como posso ser amarga. Posso ser amável, como posso ser esnobe. Posso ser comportada, ou desbocada. Posso falar palavras difíceis, como posso sair xingando palavrões pra qualquer um que passar. Posso compartilhar, como posso ser egoísta. Posso perdoar fácil, e posso levar rancores pra uma vida toda. Se eu não me compreendo, você muito menos. Mas não preciso disso. Peço apenas que me entenda. Entenda quando eu disser que eu quero, e quero agora. Entenda quando eu disser não. Entenda quando eu resolver ficar mais uma noite. Entenda quando eu fugir. É capaz disso? Porque se não for capaz de me entender, jamais saberá quem realmente eu sou.